quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Uma conversa entre dois BAMF (Marcelo Rubens Paiva e Luis Fernando Verissimo)

Marcelo Rubens Paiva: Pronto, estou online.
Luis Fernando Verissimo: O fotógrafo já está aqui, procurando um ângulo mais inteligente. Acho que não vai encontrar.
Marcelo: Bela vitória ontem, Luis. Também, compraram meio Corinthians.
Verissimo: Acho que um corintiano conhece bem a emoção de fazer quatro no Palmeiras. Pelo menos nisso somos compadres.
Marcelo: Vamos fingir que somos intelectuais, vamos falar coisas inteligentes. Você não se candidata de jeito nenhum a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras?
Verissimo
: Me perguntaram isso e eu respondi que nem tenho uma obra que mereça a honra de estar na academia, nem o físico para o fardão. Ainda mais que o [escritor gaúcho] Moacyr Scliar me disse que a gente não fica com a espada, é só para a fotografia. Mas a academia melhorou, depois que parou de aceitar generais e celebridades.
Marcelo: Eu li que ganham R$ 15 mil mensais e R$ 1,5 mil de jeton por sessão. Tentador, não? Você é um escritor rico?
Verissimo: Não. Acho que, fora as exceções óbvias, ninguém ainda pode viver de livros no Brasil. Dependo do jornalismo e de correlatos eventuais para o uísque das crianças. Marcelo: Uísque das crianças e netos. Você ficou mais feliz com a chegada da netinha ou com Inter campeão do mundo?
Verissimo: São emoções diferentes... Ser avô é realmente uma sensação fantástica. Ainda mais que a neta é simpática, inteligente, culta - e foi me nascer exatamente no dia do aniversário do Inter. Acho que foi ela que planejou.
Marcelo: Seu livro novo é uma coletânea de crônicas escolhidas de novo pela nossa grande e sexy editora, Isa Pessoa?
Verissimo: A idéia do livro foi da Lucia Riff [agente de Verissimo], que também é grande e sexy. A Isa [da editora Objetiva] encampou a idéia e escolheu as crônicas e o título.
Marcelo: Crônicas publicadas no Estadão e Globo?
Verissimo: Estadão, Zero Hora e Globo, e distribuídas pela Agência Globo para outros jornais, não sei quantos. Em geral, crônicas mais "sérias", se é que cabe a palavra, do que as dos outros livros.
Marcelo: É uma coletânea mais niilista, sobre o futuro e a falta de identidade brasileira. Efeito do mensalão?
Verissimo: Não sei, eu sou menos pessimista do que o que escrevo. Na verdade sou um ingênuo disfarçado. No livro falo bastante na China, que um dia, como escrevi, vai tornar o resto do mundo supérfluo. Mas prefiro o pensamento otimista: quando isso acontecer eu estarei morto.
Marcelo: Estará nada, pois os chineses o clonarão e haverá um Luis Fernando Verissimo de olhos puxados. Você é ainda um homem de esquerda, dá para reparar em suas crônicas. Acha que o Lula fez um governo digno?
Verissimo: Eu acho que ser de esquerda, hoje, é não ser de direita. O que não é tão óbvio quanto parece. Acho que o PT no governo é, em matéria de economia, o PSDB de barba, mas a distribuição de renda, que está melhorando, é o grande diferencial, e o grande feito do governo Lula. Isso compensa todo o resto, a corrupção, etc.? Não sei. Mas o governo Lula está fazendo uma diferença. Eu disse que era um ingênuo.
Marcelo: Na crônica Fora Povo, você sugere uma brincadeira: que a nossa elite é melhor que o povo, que devia ser terceirizado. A elite brasileira não merece o povo que tem?
Verissimo: A crônica é um comentário sobre um estudo que apareceu, mais ou menos chamando a elite brasileira de injustiçada. Que temos um povo melhor do que a elite acho que não há dúvida. Que merece uma elite melhor, também. Todas a história do Brasil é um prontuário dessa elite.
Marcelo: Voltando ao papo inteligente, por que a Jade, o Diego e a gauchinha Daiane dos Santos tremeram nas Olimpíadas? É verdade que, na hora H, o atleta brasileiro surta? Apesar do Penta, temos complexo de inferioridade?
Verissimo: Pois é, dizem que nos falta uma política de incentivo aos esportes, etc, e falta equilíbrio emocional aos nossos atletas. Mas eu tenho que confessar que simpatizo com o desequilíbrio emocional. Acho que deveria se dar medalha pelo melhor choro, o melhor beijo para os familiares, o perdedor mais patético, etc. Fora a russa do salto com vara, que chorou como uma brasileira, os frios ganharam quase tudo.
Marcelo: Dizem que brasileira não ganha salto com vara porque é bunduda.
Verissimo: E o que a gente prefere, bunduda ou campeã em salto com vara?
Marcelo: Você prefere a Sharapova [Maria Sharapova, tenista russa] ou ainda é obcecado pela Luana?
Verissimo: O bom das tenistas russas é que sempre aparece uma nova e mais bonita. É um veio inesgotável.
Marcelo: E a Luana?
Verissimo: Meu sentimento pela Luana Piovani é avuncular.
Marcelo: Isso tem cura?
Verissimo: Nunca soube bem o que quer dizer isso, mas é um sentimento sincero, e nunca passará disso. Até ela telefonar, claro.
Marcelo: Você sente essas coisas complicadas pelas mulheres ou é um cara sossegado? Verissimo: Sou tão careta que ainda uso o termo "careta". Já nasci assim e piorou com a idade.
Marcelo: Você lê Philip Roth? Ele é tão hipocondríaco.
Verissimo: Li bastante o Philip Roth, mas os últimos livros dele, não. Na verdade não tenho lido ninguém.
Marcelo: Por que não?
Verissimo: Bons tempos em que passava as noites lendo, e lia de tudo. Hoje perco tempo demais com jornais e revistas e livros de história e ensaios. Você sabe que está ficando velho quando começa a ler mais crítica literária do que literatura.
Marcelo: Cruzes, e o que você aprende lendo crítica literária?
Verissimo: Pois é, ler só crítica é como ver filme pornográfico em vez de fazer sexo.
Marcelo
: Qual crítica literária você recomenda?
Verissimo: No Brasil, ainda, o Antonio Candido. Infelizmente ninguém o substituiu. O George Stainer é bom, o Edward Said, alguns ingleses como o Terry Eagleton, o italiano Franco Moretti, o Leslie Fiedler.
Marcelo: É verdade que é a primeira vez no MSN? E blog, você lê?
Verissimo: É. A Fernanda, minha filha, teve que me ensinar como funciona. Resistirei até o fim (o meu) contra o celular e estes mistérios da Internet.
Marcelo: Nem e-mail você troca?
Verissimo: E-mail, sim. E o Google. Fora isso, sou um inocente completo.
Marcelo: Você vê televisão? Ainda escreve para eles?
Verissimo: Vejo mais TV a cabo. Estou sempre atrás de reprises do Seinfeld. Vejo Jornal Nacional e futebol. 
Marcelo: Você ainda escreve as crônicas "em cima" do deadline?
Verissimo: É vício de jornalista. O pior é que a gente acaba fazendo os romances, também, quando o prazo está estourando. Eu sempre digo que a musa mais eficiente do escritor é o prazo de entrega.
Marcelo: Já deu branco e teve que cancelar uma crônica?
Verissimo: Bom, nos tempos da censura eu tinha que ter uma crônica reserva sempre pronta para substituir a que não podia sair. As vezes a gente escrevia alguma coisa sabendo que não ia ser publicado, para desabafar, e mandava a outra, tratando do sexo dos anjos. Nesse sentido tive várias canceladas. E o branco é um dos chamados ossos do ofício de escritor. Ossos brancos, claros. Dá muito.
Marcelo: Para terminar, todo escritor que se preze tem que morar em Paris, ou Porto Alegre basta?
Verissimo: De preferência em Porto Alegre, uma das metrópoles do mundo, com descansos freqüentes em Paris. Abração.
Marcelo: Outro, beijos na mulherada da família.

Vi na Revista Bravo.

Nenhum comentário: