quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Comer,Rezar e Amar

“No caminho de volta para casa, faço um pequeno desvio e paro no endereço de Roma que 
considero mais estranhamente perturbador – o Augusteum. A pilha de tijolos grande,
circular e caindo aos pedaços começou a vida como um glorioso mausoléu construído por
Otaviano Augusto para abrigar seus restos mortais e os de sua família por toda a
eternidade. Devia ser impossível para o imperador imaginar, na época, que Roma algum
dia seria outra coisa que não um império em louvor a Augusto. Como ele poderia ter
previsto a queda do império? Ou como poderia saber que, com todos os aquedutos
destruídos pelos bárbaros e as grandes estradas em ruínas, a cidade perderia seus
habitantes, e seriam necessários quase vinte séculos para que Roma recuperasse a
população que se gabava de ter no auge de sua glória?
O mausoléu de Augusto foi tomado pelas ruínas e pelos ladrões na Idade das Trevas.
Alguém roubou as cinzas do imperador – não se sabe quem. Já no século XII, porém, o
monumento havia sido restaurado como uma fortaleza para a poderosa família Colonna,
para protegê-la dos ataques de vários príncipes guerreiros. Em seguida, o Augusteum foi,
de certa forma transformado em vinhedo, depois em jardim renascentista, depois em
praça de tourada (já estamos no século XVIII), depois em depósito de fogos de artifício,
depois em sala de concertos. Durante a década de 1930, Mussolini confiscou a
propriedade e restaurou suas bases clássicas, para que ela um dia pudesse servir de local
de descanso para os seus restos mortais. (Mais uma vez, devia ser impossível, na época,
imaginar que Roma jamais fosse ser qualquer outra coisa que não um império em louvor
a Mussolini.) É claro que o sonho fascista de Mussolini não durou muito, e tampouco ele
teve o funeral imperial que previra.
Hoje em dia, o Augusteum é um dos lugares mais tranqüilos e mais solitários de Roma,
enterrado bem fundo no chão. Ao longo dos séculos, a cidade foi crescendo à sua volta.
(Dois centímetros e meio por ano é geralmente a regra para a acumulação dos detritos do
tempo.) O tráfego acima do monumento rodopia em um círculo caótico, e ninguém nunca
desce lá — até onde eu saiba — a não ser para usar o lugar como banheiro público. Mas a
construção ainda existe, mantendo-se orgulhosamente plantada em solo romano, à espera
de sua próxima encarnação.
Considero muito reconfortante a resistência do Augusteum, o fato de essa estrutura ter
tido uma história tão atribulada e, mesmo assim, ter sempre conseguido se ajustar à
loucura específica de cada época. Para mim, o Augusteum é como alguém que levou uma
vida totalmente louca – alguém que talvez tenha começado como dona de casa, depois
inesperadamente ficado viúva, em seguida virado dançarina para ganhar dinheiro, de
alguma forma tenha se tornado a primeira dentista mulher do espaço sideral, e depois
tentado a sorte na política – e que, mesmo assim, conseguiu manter intacta a consciência
de si próprio durante cada reviravolta.
Olho para o Augusteum e penso que, no final das contas, talvez a minha vida na verdade
não tenha sido tão caótica assim. É apenas este mundo que é caótico e nos traz mudanças
que ninguém poderia ter previsto. O Augusteum me alerta para eu não me apegar a
nenhuma idéia inútil sobre quem sou, o que represento, a quem pertenço ou que função
eu poderia ter sido criada para executar. Sim, eu ontem posso ter sido um glorioso
monumento a alguém -mas amanhã posso virar um depósito de fogos de artifício. Até
mesmo na Cidade Eterna, diz o silencioso Augusteum, é preciso estar preparado para
tumultuosas e intermináveis ondas de transformação.

Nenhum comentário: